Isaac Ribeiro
repórter
Imagine
você ter uma casa cheia de janelas e portas abertas para a rua, onde
qualquer deslize pode expor sua intimidade a quem passa na calçada.
Mesmo que a pessoa não queira lhe ver, você estará à mostra. E
resguardar-se depende só e unicamente de suas ações. As redes sociais
funcionam mais ou menos dessa forma. Se você não estabelece critérios no
que posta, pode acabar se prejudicando, seja nas relações pessoais e
até mesmo nas profissionais. Como essas ferramentas são relativamente
novas, do início dos anos 2000, ainda existe muita gente sem saber o
real alcance e possíveis consequências de suas postagens.
Facebook,
Twitter, Orkut, Flickr, Tumblr, Linkedln; cada rede tem seu propósito,
sua forma de uso e sua utilidade, seja apenas para socializar, postar
preferências pessoais, dicas e opiniões; ou para uso profissional, no
caso de empresas, blogueiros ou setores de recursos humanos.
Rodrigo Sena
Redes sociais são relativamente novas e isso faz com que alguns usuários não saibam alcance do que postam
Mas
há quem publique qualquer espirro dado, uma simples ação doméstica, um
conflito pueril, a dúvida cruel de qual roupa usar... Outros, sem noção
do quão distante seu comentário pode chegar, exageram em críticas,
denúncias infundadas (ou não), lamentos, sem medir nada, sem usar da
ética e do bom senso. E o fazem constantemente. Exposição excessiva é o
resultado.
Mas aí é que está a questão: deve haver limites, algum
tipo de controle, manual de conduta para apontar o "certo" e o
"errado"? Há defensores para os dois lados. Até que ponto postagens no
Facebook e no Twitter - as redes sociais mais acessadas - funcionam como
um espécie de divã virtual?
A psicóloga Jemima Morais Veras
percebe que algumas pessoas, de tão carentes e solitárias, precisam
compartilhar na web detalhes de suas vidas como se estivessem numa
pracinha, nas calçadas da sua rua ou num clube, falando apenas para seus
colegas. "Elas precisam de pessoas, de serem vistas, ouvidas,
compreendidas. Outras, sim, são egocêntricas, gostam de se exibir, criam
uma personagem que atua em função da imagem desejada", comenta ela.
Sobre
reclamações de postagens com "inutilidades" ou coisas do tipo,
Jemima lembra que isso pode acontecer porque nem sempre adiciona-se os
amigos mais próximos. "Não é fácil estar conectado diariamente a tantas
pessoas. Alguns têm mais de mil amigos, imaginem só... e cada um deles
com outros duzentos, trezentos, oitocentos amigos. Impossível não ter
algum conflito, achar que são agressivos, inconvenientes, arrogantes."
O
próprio criador do Facebook, Mark Zuckerberg, tem refletido sobre o
controle de informações de cada usuário, principalmente com relação às
ferramentas de de manutenção de privacidade. "Algumas pessoas não
compreendem como suas informações pessoais são usadas e se preocupam que
sejam utilizadas de maneira que não desejam", declarou certa vez.
Mas
a exposição excessiva e sem critérios nas redes sociais pode trazer
também prejuízos profissionais. Vez por outra, um caso de demissão por
justa causa, motivada por uso inadequado das redes sociais no trabalho,
aparece no noticiário.
O que se posta nas redes pode ser
definidor também para quem está em busca de emprego. Há recrutadores de
Recursos Humanos que, em caso de empate por uma vaga, tem o perfil do
candidato no Facebook analisado. Nesse caso, fotos de farras e
bebedeiras podem ser cruciais.
Redes sociais são reflexo da vida real
A
maioria das pessoas se comporta nas redes sociais de modo parecido como
o fazem em suas próprias vidas, seja com parentes ou amigos. É o que
percebe a psicóloga Jemima Morais Veras. E, dessa forma, acabam
utilizando o espaço virtual para postarem suas questões; dores, mágoas,
dúvidas.
"Elas falam de si mesmas, de como se sentem, do que
fizeram, do vão fazer, enchem as páginas com mensagens prontas. Elas são
assim. Talvez na vida real não encontrem tanto espaço, nem tenham
tantos amigos. Então, na rede social elas vão satisfazer as necessidades
de interagir, de serem ouvidas", analisa a psicóloga.
Ela cita
também as pessoas que gostam de compartilhar experiências e informações
nas redes. "Elas vão falar de uma viagem realizada, colocando a emoção
que sentiram, mas também vão dar dicas, fazer críticas e elogios, dar
sugestões... ela quer socializar, informar."
Mas, por outro lado,
ela acredita haver pessoas que ainda não sabem o alcance do que postam
nas redes sociais. Para Jemima, esse tipo de entendimento é algo
matemático, lógico, e que é necessário pensar assim para entender a real
dimensão que esse tipo de site tem.
"Acho que algumas pessoas
são carentes e solitárias e precisam compartilhar sua vida como se
estivessem numa pracinha, nas calçadas da sua rua, num clube... Elas
precisam de pessoas, de serem vistas, ouvidas, compreendidas. Outras,
sim, são egocêntricas, gostam de se exibir, criam uma personagem que
atua em função da imagem desejada", diz Jemima.
Se você reclama
de postagens agressivas, inconvenientes, arrogantes, é melhor rever os
seus contatos. Cada um, na verdade, forma sua própria linha do tempo ao
escolher com quem dividir mensagens. A internet é, sim, um espaço
democrático, mas ninguém é obrigado a conviver com o que não gosta.
Citando liberdade de expressão, Jemima Morais acha que algumas pessoas
poderiam reservar suas postagens de gosto duvido para seus próprios
blogs pessoais.
"É importante que todos, nas redes sociais,
tenham liberdade de expressão, mas que não imponham ao outro as suas
exposições. É necessário que haja sensatez", comenta Jemima.
Já o
jornalista e pesquisador Antonino Condorelli tem algumas restrições a
limites impostos ao que se é postado nas redes sociais, mostrando-se
também reticente a manuais de conduta. "Acho que os limites, se existem,
são desenhados - e redesenhados - o tempo todo pelas próprias
interações que nascem na rede e não tem como defini-los a priori."
Condorelli
também não aceita muito bem o termo "egocentrismo" quando o assunto é
redes sociais. E questiona se compartilhar opiniões sobre acontecimentos
sociais e políticos nas redes sociais, tornando público o próprio
pensamento, é uma atitude egocêntrica. Ou se dividir as próprias
experiências pessoais de engajamento social, sentimentos, amizade, sexo,
trabalho ou construir novas experiências desse tipo a partir das
interações tecidas na net é egocentrismo.
"As pessoas sempre
tiveram o anseio de compartilhar e o de se exibir, de afirmar seu eu e
de trocar idéias, experiências, emoções, informações com os outros: as
duas tendências convivem e se compenetram. São complementares, não
antagônicas."
Já a psicóloga Jemima Morais se diz a favor de
limites nas redes sociais. "Concordo, sim, que tenha um código que
ofereça um contorno, um norte, um limite que pontue aquilo que é
aceitável ou não. Acredito que vivemos uma época onde ainda nem
resolvemos essas questões da ética virtual. Ainda estamos tentando
entender o que está acontecendo, mas precisamos correr por que é tudo
muito rápido e a cada dia surgem novas possibilidades."
"Web está em constante redefinição"
-
Algumas pessoas parecem não ter noção do alcance do que se é postado
nas redes sociais. A que atribui o excesso de exposição pessoal na
internet?
Sinceramente, não saberia dizer se existe esse
tal "excesso". Acho que a questão é mais complexa do que parece ser a
primeira vista e não pode ser tratada em termos dicotômicos: público
versus privado, egocentrismo versus compartilhamento. Ao falar da
Internet costumamos pensar em um lócus imaterial habitado por sujeitos
que nele interagem, o que fica evidente na expressão "ciberespaço", mas
me parece que mais do que um espaço a web possa ser concebida como uma
teia de relações, algo fluido, em constante redefinição. São as próprias
relações digitais - um híbrido de pensamento, emoções, anseios,
desejos, aspirações, frustrações, neuroses, fantasmas humanos e próteses
tecnológicas - que definem (e redefinem) constantemente tanto os
fenômenos que delas emergem como os sujeitos que delas participam. A
rede é simultaneamente pública e privada, fortalece o ego individual e o
abre para o mundo, é fútil e engajada, alienante e participativa e são
suas interações que reconfiguram o tempo todo as fronteiras entre esses
domínios. Por isso, como falei, eu não saberia dizer exatamente se
realmente acho que exista algum "excesso de exposição pessoal".
-
Há uma forma padrão ou, digamos, um comportamento mais aceitável para
as redes sociais? Concorda com manuais ou códigos de conduta ou o crivo
fica por conta de cada pessoa?
Não
concordo com manuais e regras que visem pré-direcionar as interações
digitais a partir de padrões de comportamento concebidos a priori por
alguma instituição, empresa ou organização de outra natureza. Acredito,
isso sim, na necessidade de construirmos coletivamente, dialogicamente,
de maneira horizontal, participativa e colaborativa - modalidades de
interação que a web 2.0 favorece - a partir de trocas e discussões que
aconteçam simultaneamente dentro e fora da rede orientações (não normas,
que é algo muito rígido que não coaduna com a natureza da Internet) de
conduta compartilhadas. Ou seja, o crivo não fica por conta de cada
pessoa, mas tampouco por conta de alguma organização que pré-defina como
devem ser usadas as redes sociais: quem define seu uso é a interação, o
envolvimento, a participação dos sujeitos que as fazem. Um exemplo
claro são as mobilizações de indignados que aconteceram em diversas
partes do mundo a partir de interações entre cidadãos nas redes sociais:
nem o Facebook, nem o Twitter e outras redes utilizadas previam, nem
muito menos prescreviam, determinadas formas de uso que foram
literalmente "forjadas" pelos participantes desses movimentos a partir
de suas interações.
- Como perceber, analisar e distinguir a exposição egocêntrica do compartilhamento colaborativo?
As
fronteiras entre os dois conceitos são muito tênues, se é que as têm: a
participação em uma ação coletiva pode estar impregnada de motivações
egoístas, satisfazer determinadas necessidades de exposição; ao mesmo
tempo, expor opiniões pessoais com o único propósito de torná-las
públicas, sem estar envolvido em algum projeto colaborativo, pode
originar movimentos coletivos, discussões, trocas, partilhas. Por isso,
não acho que se possam definir critérios abstratos para distinguir o que
seria "exposição egocêntrica" de "compartilhamento colaborativo".
Geralmente, na hora de postar, curtir, retuitar, compartilhar algum
conteúdo costumo me perguntar se aquilo pode ter alguma relevância para
outra pessoa, para um grupo, para a sociedade, se pode fazer a diferença
para alguém, despertar alguma curiosidade, estimular alguma
discussão... Ainda assim, esse julgamento está condicionado pela minha
visão de mundo, os meus desejos conscientes e inconscientes, o meu modo
de ser, de pensar e de agir. Por isso, realmente não vejo como
distinguir tão drasticamente egocentrismo e atitudes colaborativas.
Jovens buscam aceitação
A
busca pelo reconhecimento e pela aceitação sempre foi característica do
comportamento dos jovens. Só que antes você ou era o corajoso da
escola, o bom atleta do ginásio ou o cabeça da faculdade. Essa é a
reflexão que a jornalista e analista de mídias sociais Gabriella Fonseca
faz em comparação a este nosso tempo de exposição de valores no mundo
virtual. "Com as redes sociais você não precisa 'ser', basta
'aparentar'. Ponha uma foto legal, levante assuntos polêmicos, mostre
como sua vida é perfeita e pronto: torne-se uma celebridade nas redes
sociais."
Para ela, o fato de as novas gerações já terem nascido
"conectadas" faz da exposição nas redes sociais algo considerado normal.
E assim ela considera querer compartilhar fotos, alguns sentimentos e
conhecimentos. "Mas, sinceramente, não entendo o porquê de alguém postar
que acordou, ou que está indo tomar banho para ir para a aula ou dar
'bom dia' ao se logar no facebook. Facebook não é elevador para você
entrar e dar bom dia aos outros. É muita falta se simancol."
Na
opinião de Gabriella, as postagens polêmicas, de racismo, machismo ou
qualquer outro tipo de preconceito refletem a falta de noção de algumas
pessoas sobre o alcance de suas ações nas redes sociais. "As pessoas
acham que por estarem em um país livre, podem falar o que querem. E até
podem, desde que assumam as responsabilidades das suas palavras. Falta
entenderem que 'a internet' é um plano também, 'real' sim, e o que se
fala, se paga."
Ela diz conhecer várias pessoas com esse perfil.
Até mesmo entre seus amigos há aqueles que encontraram nas redes sociais
um espaço para "aparecer". Para Gabi, como é mais conhecida entre os
colegas, é provável que eles tenham a vida chata, vivam todos sempre
conectados e não dão um passo sem dizer pra onde vão, pedem sempre
opinião sobre o que vestir, o que comer... "Não me entendam mal, fazer
isso de vez em quando é normal. Mas sempre, sempre, sempre, já é vício.
Isso me dá a sensação de que se você não se expor, não estarão lhe vendo
e consequentemente, você não existe."
Gabi acredita ser possível
mostar sua personalidade, ser você mesmo, expressar suas opiniões, sem
se tornar um escravo das redes. Para ela, esse tipo de alienação é tão
ruim quanto a promovida pela programação da tevê aberta. Ela questiona
alguns valores e dá o seu conselho: "O quanto do que você expõe nas
redes sociais é você mesmo? Se você tiver triste não é melhor sair,
pegar um cinema, passear na praia... do que ficar chorando na internet?
Mexa-se, viva. Você não sabe quando será "desplugado" de vez, aproveite
longe dessas telas de LCD."
Fonte:tribunadonorte.com.br