sábado, 30 de julho de 2011

A ausência sentida do Mestre



Yuno Silva repórter

O que Cascudo representa para você? "Uma referência em muitos assuntos, muita coisa, tipo assim... cultura popular, sobre a história da cidade. Ele registrou muita coisa, documentou muita coisa. Foi muito influente, conheceu muita gente, um homem viajado", resumiu rapidamente uma estudante universitária de 23 anos anônima na multidão. Prefere não se identificar por vergonha de admitir que nunca leu Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). "Deveria ter lido", lamenta. "Ainda dá tempo", considera. Não leu, mas estudou: "Li textos isolados no ensino médio para fazer trabalhos de escola sobre folclore, e só! O resto é de ouvir falar".

Foto:rodrigo sena
O vendedor de coco Jonas Viana Peres, 49, que há 15 anos trabalha em frente à casa de Câmara Cascudo entrou pela segunda vez no lugar e ficou surpreso
O vendedor de coco Jonas Viana Peres, 49, que há 15 anos trabalha em frente à casa de Câmara Cascudo entrou pela segunda vez no lugar e ficou surpreso

E a universitária não está sozinha: as estudantes do ensino médio Rayssa Martineli Teixeira de Lima, 17, e Elaine Fernanda da Silva Miranda, 18, também só ouviram falar. Também não souberam responder onde viveu o escritor, professor, historiador e principal pesquisador da cultura popular brasileira - mesmo com a abrodagem deste repórter em frente ao número 377 da Av. Câmara Cascudo (antiga Junqueira Ayres), na subida da Ribeira para a Cidade Alta, casa onde Cascudo nasceu e morou e que atualmente abriga o Instituto Câmara Cascudo - Ludovicus.

Hoje, 30 de julho de 2011, completam exatos 25 anos da morte de Câmara Cascudo, um quarto de século desde o encantamento de um dos maiores folcloristas do Brasil, quiçá do mundo. "Provinciano incurável", autor de 74 livros - metade deles dedicado à cultura popular (tradições, folclore, costumes, gastronomia) - e quase 100 plaquetes, seu nome está no panteão dos intelectuais mais influentes do país: "Quando idealizei o Almanaque Brasil (www.almanaquebrasil.com.br), há 13 anos, fui beber na fonte de Câmara Cascudo. Não há outro pesquisador que tenha se dedicado tanto à nossa cultura quanto ele", declarou o jornalista Elifas Andreato, 65. Paranaense radicado em São Paulo, Andreato adiantou que pretende publicar um editorial na próxima edição impressa da revista em homenagem ao patrono.

Vale registrar que a data só será oficialmente lembrada na sessão do Senado federal no próximo dia 3 de agosto, pelo Senador Paulo Davim - o Museu que leva seu nome está fechado para reforma e seus servidores estão em greve. Também não há programação agendada na biblioteca Estadual Câmara Cascudo, nem no próprio Instituto Ludovicus. "Vamos começar a embalar os livros para o início da reforma da biblioteca, então não temos como abrigar um evento. Mas teremos uma rápida exposição durante o mês de agosto alusiva à Cascudo", adiantou Márcio Rodrigues, diretor da biblioteca.

A pesquisa é o suporte para as futuras gerações

Para Humberto Hermenegildo, professor de literatura do Departamento de Letras da UFRN e pesquisador do Núcleo de Estudos Câmara Cascudo, "não adianta tentar impor a obra dele", comentou. "Nosso trabalho no Núcleo de Estudo Câmara Cascudo tem a preocupação de preservar a partir da pesquisa, são os estudos que podem favorecer a disseminação de sua obra", acredita Hermenegildo.

"Apesar do nome, não estudamos apenas Cascudo no Núcleo, e a cultura do RN como um todo e sob vários aspectos (histórico, social, antropológico). O foco principal de minha investigação, por exemplo, é o Modernismo, movimento no qual Câmara Cascudo também está inserido. São visões parciais de sua personalidade multifacetada", explica. Autor dos livros "Asas de Sófia - ensaios cascudianos" (1998) e "Leituras sobre Câmara Cascudo" (2006), Humberto prefere não vitimar Cascudo: "Sua obra é bastante conhecida no Brasil, e neste momento temos é que incentivar novos pesquisadores e evidenciar esses estudos", sintetiza o professor.

Legado

Compartilhando o mesmo preceito, de que só pesquisas podem dimensionar o legado cascudiano, Durval Muniz, professor titular do departamento de História da UFRN, verifica muitos guardiões da obra de Cascudo em Natal, mas poucos vêem com bons olhos quando alguém se aproxima para uma abordagem mais analítica: "Há uma visão equivocada de acreditar que uma abordagem crítica irá macular a imagem de Câmara Cascudo. Ele era um apaixonado pela busca das origens, e estudos servem para tentar entendê-lo na íntegra. Fatos precisam ser explicados dentro de um condicionamento histórico", diz o professor.

Na opinião de Muniz, "não adianta manter a obra em prateleiras, isso não significa preservar. O trabalho de Cascudo é fundamental para compreender a própria ideia que temos do Brasil, sintetiza a cultura brasileira através de crônicas cotidianas". Há nove anos pesquisando cascudo e há quatro trabalhando em um livro sobre "A construção da ideia de cultura nordestina", o historiador ainda planeja lançar uma biografia intelectual sobre Cascudo.

Acervo

"Cascudo ainda é pouco lido dentro da Universidade, as bibliotecas Central Zila Mamede da UFRN e a Estadual Câmara Cascudo não tem seu acervo completo - nesta última, o pouco que tem está mal conservado. Ou seja, enquanto seus pensamentos, seus livros e sua vida estiverem nas prateleiras, não há como exigir muita coisa. É preciso compartilhar de maneira ampla e irrestrita, sem receio, para seu legado ser, no melhor sentido da palavra, vulgarizado", sentencia.

O tema não é novo, pois foi discussão durante o Festival Literário da Praia de Pipa, em novembro de 2010. O debate, protagonizado por Durval Muniz, Moacy Cirne e a professora Vânia Gicco, chegou a algumas contatações que merecem lembrança: "As pessoas elogiam, celebram a importância de Cascudo, mas poucos leem e estudam o seu legado. Um escritor precisa influenciar outros, ter discípulos, para que sua obra seja valorizada", afirmou Cirne.

Fonte:tribunadonorte.com.br

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