Isaac Ribeiro - repórter
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a prática de uma atividade física diariamente, durante trinta minutos, no mínimo, para se ter uma vida saudável e fugir do sedentarismo. Mas tem gente que extrapola, na busca da forma perfeita e de um ideal de beleza obsessivo. E para alcançarem seu objetivo, passam a exercitar o copo de forma compulsiva. Não adianta elogiar... para o compulsivo a insatisfação é uma constante. Esse tipo de comportamento é chamado vigorexia, um transtorno de imagem corporal, uma falsa percepção do próprio corpo e à realidade revelada pelo espelho.
alex régisPesquisa revela que 28% dos atletas brasileiros, entre profissionais e amadores, são viciados em exercícios físicos e portadores de transtorno da autoimagem
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Psicobiologia da Universidade de São Paulo (Unifesp) identificou que 28% dos atletas brasileiros, amadores ou profissionais, são viciados em exercícios físicos. Eles não conhecem limites. Para eles, quanto mais atividade melhor.
A compulsão por exercícios físicos assemelha-se ao vício em drogas e tal qual seus usuários, o viciado em malhação têm crises de abstinência quando afastados da academia, apresentando inclusive ansiedade, depressão, irritabilidade e variações de humor.
As consequências da prática exagerada de exercícios físicos surgem em forma de lesões nos músculos e nas articulações. Segundo os pesquisadores, os principais indícios que a malhação se transformou em vício são: estreitamento do repertório (só fala sobre isso), preocupação excessiva com o corpo e com a alimentação, perda de interesse social por causa do treino, insistir em treinar mesmo com ambiente desfavorável ou condição adversa (na chuva, machucado).
A professora de Educação Física e personal trainer Thaís Ravaggi Ruiz, 28 anos, já sentiu na pele esse tipo de compulsão nos tempos de faculdade e até antes. "Se comesse um sanduíche e não fosse malhar, ficava aflita", comenta ela, considerando o culto ao corpo, iniciado nos anos 80, como um dos responsáveis pela compulsão.
"O aluno passa a ir para a academia de manhã, à tarde e, se der, à noite também; faz musculação, faz spinning... A única coisa que ele vai conseguir com esse excesso e sem repouso é a lesão. Ele não consegue entender que na musculação você só está agredindo seu corpo, e que o ganho da massa muscular que eles tanto desejam, o emagrecer, o sarar o corpo, está na alimentação, principalmente, e no repouso", analisa a personal.
DIRETO NA ACADEMIA
O professor universitário Daniel Borba é aluno de Thaís e vem treinando para competir em fisioculturismo. Ele ressalta a importância de ser bem orientado por um profissional da área. "Quando era mais novo, não tinha acompanhamento, malhava excessivamente, duas horas por dia, pegava muito pesado, ficava com as articulações machucadas; no outro dia, acordava todo dolorido e ia malhar, e só piorava a situação. Depois que eu comecei com personal trainer, acabou tudo isso e tenho um resultado muito melhor." Se comesse algo gorduroso, a culpa não tardava a se instalar. Para afastá-la, só mesmo dobrando, triplicando os exercícios. Hoje, ele diz ter consciência sobre os limites e as consequências de uma atividade física exagerada, sem orientação e conhecimento.
Já a bacharel em Direito e modelo carioca Patrícia Fonseca malha seis horas por dia, há seis anos. Sua rotina de exercícios inclui musculação, kangoo jump, spinning, dança. "A academia que frequento tem uma estrutura muito grande e oferece muita coisa. Tudo o que tem, eu vou fazendo."
Ela diz gostar "de pegar muito, muito" peso e acredita que a quantidade de atividades físicas que pratica não lhe prejudica em nada. "Pelo contrário; quando eu não vou para a academia fico nervosa, doente, estressada, instável. Ir para academia é minha terapia. Quando não estou malhando, fico estressada."
No final de semana, a academia até abre, mas seu personal trainer não trabalha, o que gera alguns transtornos. "Como sou dependente de personal, e ele só me dá aula de segunda à sexta, sábado e domingo são os dias em que eu fico muito estressada. Aí tento ir à praia, fazer uma caminhada, dou umas corridinhas, mas nada supre a academia, que são seis horas que fico aqui", desabafa Patrícia, dizendo fazer as refeições lá mesmo. "Acho que só ultrapassei meu limite quando fazia jiu jitsu, pois malhava oito horas por dia", comenta enquanto pedala na bicicleta ergométrica.
Vigorexia altera percepção da própria imagem
Quando um aluno evita se submeter à avaliação física, o educador físico Bruno Paulo Andrade, 28 anos, logo desconfia. Na figura de avaliador, ele percebe um certo receio de eventuais críticas pelo fato de praticar exercícios de forma exagerada. Muitos nem desconfiam, mas podem ser portadores de vigorexia, transtorno que altera a percepção da própria imagem. A pessoa se imagina mais fraca do realmente é e adquire uma postura compulsiva.
Bruno explica que na vigorexia, o indivíduo utiliza referências equivocadas e busca a perfeição da auto-imagem de uma forma que acaba lhe prejudicando. "Algumas alunas querem ser iguais às mulheres da mídia, todas perfeitas", comenta Bruno.
Ele lembra do caso de uma aluna que queria ficar igual a algumas mulheres de uma foto tirada em balneário Camboriú (SC). "Elas eram até mais jovens que a aluna. Tivemos de convencê-la de que não seria possível. E era uma senhora na faixa dos quarenta anos, com o corpo muito bonito para os nossos padrões. Aparentava menos idade", recorda o avaliador físico, citando ainda que ela treinava três horas seguidas, revezando musculação, spinning e ginástica.
REPETIÇÃO E INSATISFAÇÃO
A compulsão pode ter diversos alvos, mas a insaciabilidade é um fator em comum. E isso também acontece com a atividade física. O comportamento e o pensamento compulsivo precisam ser repetidos pois o indivíduo não se satisfaz em fazê-lo uma única vez, como observa a psiquiatra Paula Borba. "Do ponto de vista cerebral, trabalhamos com a hipótese de desorganização da neuroquímica do cérebro, ou seja, alguma alteração em nível dos neurotransmissores, neste caso, principalmente a serotonina."
Segundo ela, a compulsão pode ser a linguagem encontrada por outro tipo de transtorno, como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares. A intensidade pode variar também para cada pessoa.
"Então, deve-se avaliar cada caso individualmente para que se compreenda o comportamento compulsivo. Já o alvo da compulsão pode variar de acordo com os estímulos ambientais. Por exemplo, o mundo moderno com as exigências de beleza e consumo tem estimulado o indivíduo para compras, atividade física excessiva e dietas exageradas, aumentando os comportamentos compulsivos que às vezes nem são percebidos como tal", analisa Paula Borba.
O compulsivo leva a vida dedicado ao seu alvo. Isso pode fazer com que ele se desinteresse pelas coisas em geral, daí ao isolamento social, queda em seu desempenho sócio-ocupacional e a dificuldades nos relacionamentos. "Além disso, pode levar à angústia, irritabilidade, insônia e com esses prejuízos psicológicos até não perceber os potenciais riscos à saúde", comenta a psiquiatra.
O tratamento contra a compulsão será direcionado após a avaliação de suas possíveis causas. Para administração de medicamentos psicofármacos e sessões de psicoterapia, é preciso acompanhamento de um psiquiatra ou psicólogo - assim como uma nutricionista para os transtornos alimentares. "Para as compulsões a exercícios físicos, não precisa parar de fazê-los, mas necessita de um educador físico para orientá-lo", conclui Paula Borba.
Bate-papo: » Márcio Mousinho - especialista em Fisiologia do Exercício
"É difícil convencer que não precisam treinar tanto"
- Qual parte do corpo sofre mais com o exagero na atividade física?
Os praticantes de exercícios físicos que exageram na atividade terão mais desgaste físico nos seguimentos corporais que mais são exigidos na prática que ele escolheu. Por exemplo: futebol - predispõe o corpo a sofrer mais lesões em membros inferiores; surf - articulação de ombro e coluna cervical; tênis - cotovelo, tornozelo e joelhos; musculação - depende do programa de treinamento e do grupo muscular que ele mais exagera. Por exemplo: é comum aos homens que sofrem de vigorexia querer treinar somente peito, bíceps e tríceps e as mulheres, coxa e glúteo.
- Já teve algum caso de compulsão em sua academia?
Sim! Inicialmente, é difícil de convencer que não precisam treinar tanto. Por isso, é preciso conquistar a amizade, para em seguida orientá-la corretamente.
- Como devem ser tratados os compulsivos?
Em primeiro lugar o profissional deve saber humanizar o tratamento. Como? Identificar bem o caso clínico e tratar da pessoa, não da patologia; ter paciência para ouvir bastante; conquistar a amizade. Somente após esses princípios o profissional bem embasado em seu conhecimento, poderá aconselhar seu cliente em mudar de postura, quanto ao exagero em algum segmento do seu treinamento, seja na frequência, na duração total do treino, na quantidade de exercícios, na intensidade de esforço, entre outros.
- Como perceber os "viciados"?
Eles têm manias gerais, entre elas podemos destacar: vivem falando em todo lugar dos seus feitos relacionados à sua prática de exercícios; adoram se olhar no espelho fazendo poses associadas à sua prática esportiva; são bem informados quanto aos recordes alcançados e comparam com o que eles são capazes de fazer; querem treinar mesmo se alguma coisa não está adequada: presença de chuva, doença, falta de equipamento; adoram ser comparados aos campeões de sua modalidade esportiva.
Fonte:tribunadonorte.com.br
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